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  • Foto do escritorRenan Vicente da Silva

Uma carta para o Futuro em disputa: um amanhã com sentido para viver

Atualizado: 3 de nov. de 2021


Imagem de divulgação do Greenpeace.

Querido, jovem Futuro

Venho por meio desta singela carta expressar minhas inseguranças contigo. Não está sendo fácil pensar em ti. Mas não consigo evitar esse pensar. As incertezas são certezas que possuo. Nos meandros da minha subjetividade. É difícil acordar todos os dias e sentir essa angústia. Um não saber como será viver depois dessa pandemia. O adulto Presente se apresenta tão doloroso. As várias mortes solitárias. As famílias que não podem prestar sua despedida final. Os corpos que perdem suas identidades nas valas coletivas. Porém sinto que o pior dessa crise habita em ti. A vacina para o novo coronavírus poderá se materializar. É apenas um agente biológico que reflete nosso falhar enquanto sociedade. Assim te questiono. Conseguiremos encontrar uma vacina para o vírus do capitalismo? Será que vamos caminhar no envolvimento de uma outra sociedade possível? O que seremos depois dessa pandemia?

Chegamos nesses tempos de hoje devido uma sociedade de consumo que somos. Como dizem os povos originários. Os povos indígenas. Somos o “povo da mercadoria”. Que invadiu suas terras a mais de 500 anos atrás. Um ato de genocídio físico e cultural. Travamos nossa primeira guerra biológica. As doenças dos países europeus desembarcaram nas aldeias indígenas. Sem um sistema imunológico fortalecido. Foi experimentado a primeira epidemia do Brasil. Em nome de um colonialismo. Em nome do capital. Em nome da exploração da dor do outro para obter riquezas materiais. O primeiro passo para destruição do mundo. O mundo da globalização perversa. Uma sociedade que coloca o dinheiro em detrimento da vida. Somos mercadorias. Somos descartáveis. Somos substituíveis. Estamos doentes da criatura capitalismo. Essa doença que nos compõem a muito tempo. Nos tornamos afastados do encontro com o outro. Não cultivamos tanto o amor, união e carinho. Nos perdemos. Nos desumanizamos. Mas hoje conseguimos nos ver perdidos. Um vírus foi preciso para nos mostrar um caminho. Uma outra possibilidade de vivermos. De nos amarmos. De sermos solidários. De sermos ao invés de termos. O ancião Passado avisava que deveríamos ser construtores de memória. As memórias são resistência. Para não repetir no adulto Presente nossas falhas enquanto sociedade. Contudo não fizemos isso. E vivemos nossa ausência de memória. Tenho esperança em você. Nosso jovem Futuro. Nossa única oportunidade de sermos outros.

Bom, acredito que para podermos refletir sobre essa possibilidade de uma outra coletividade juntes. Uma outra forma de vivermos. Temos que nos recusar a voltar a “normalidade”. Não podemos continuar sendo passíveis ao dogma do crescimento econômico ditado pelo sistema neoliberal. Que é um produtor de desigualdades sociais e manutenção da pobreza. Uma miséria necessária para preservar os privilégios das elites nesse país. Nosso Brasil é construtor de ruínas. Como define muito bem a jornalista e escritora Eliane Brum. Somos forjados em ruínas e precisamos nos deslocar para construir um outro você. As memórias são nosso começo. Mas devemos ir além. Devemos atuar em coletivo. Em redes. Nesse sentido, tenho uma vivência para compartilhar contigo. Idealizei com alguns amigues uma ‘Rede de Diálogos’. É também uma rede de cuidado. De acolhimento. De reflexão. Um espaço virtual de encontro com o outro. É um sentido de viver nesses tempos tão difíceis para mim. Estar em rede. É uma oportunidade que nos está sendo posta diante desse contexto de pandemia. O novo coronavírus me colocou a reinventar nossas formas de construir redes. Sou outro nesse espaço tão simples, mas tão significativo em que habito. Eu sou essa rede. E essa rede é um pouco de mim. Espero que possa viver em ti. No jovem Futuro que aguarda um movimento nosso para ser outro.

Ser outro é um ato de amor. Ser outro é um ato de solidariedade. Ser outro é um ato de desobediência do capital. Não sermos mais conivente com uma manutenção da miséria para preservar uma estrutura que produz dor e morte. Não podemos mais ser coisa. Precisamos ser nossas subjetividades. Sermos nossos sentimentos. Voltarmos para as nossas origens. Os povos originários. Aprender com os pensadores indígenas. Com a ancestralidade africana. Eles sabem viver em coletivo nesse planeta sem esgotar os recursos naturais finitos existentes. É urgente um processo de nos descolonizar. A juventude que existe em ti. Essa juventude que se permite mudar. Se permite não ir às sextas-feiras para as aulas. Uma atitude política-afetiva de Greta Thunberg. Devido a nossa casa comum estar em chamas. Esse movimento de greve global pela crise climática. Uma das várias juventudes que vão te moldar. Estamos te moldando para tu não ser igual ao ancião Passado ou o adulto Presente. Para que você possa existir. E possamos existir em ti.

Fico feliz pela oportunidade que estou experimentando de poder conversar com você. Em uma escrita tão profunda. Algo que dificilmente aconteceria com tanta intensidade. E nesse momento tão inseguro e incerto é um imperativo em minha vida. Isso me fornece um papel central de ti em minha existência. Um protagonismo de ser, também, construtor de ti. O jovem Futuro que tu és, em constante disputa. Entre seguir a “normalidade” vigente. Ou poder ser outro. Um viver em coletivo com amor e união. Em acolhimento e cuidado mútuo. Uma esperança habita em meu corpo. Precisamos estar juntes para sermos um pouco esse jovem Futuro. Se cuida e cuidaremos para que tu exista. Estamos te moldando com muito envolvimento e sensibilidade. Um carinhoso abraSUS!

Barra do Piraí, 26 de abril de 2020

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