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  • Foto do escritorRenan Vicente da Silva

Uma carta para Marielle Franco: um girassol-encantado semeando corpos e mentes




Marielle, meu bem-viver!



É difícil escrever para ti, ainda mais no dia de hoje, em que se completam 4 anos do seu violento assassinato. Ainda tão sem respostas quanto antes. Queria que estive aqui, lutando, dialogando, gingando nas encruzilhadas da vida. Mas está em Orum com nossos Orixás. Ao lado de outras tantas pessoas encantadas que caminharam uma longa e tortuosa estrada para que eu possa estar aqui, escrevendo com você. Na minha inesgotável fonte de afeto e carinho.


Como eu gostaria de ter sorrido, chorado, gritado e lutado contigo. Menina Marielle. Mulher Marielle. Mais que humana Marielle. És uma inspiração para mim. Sua memória é uma pulsão de vida que transborda em cada conhecer e reconhecer em si. Um espelho de Iemanjá, no qual não apenas me vejo, mas enxergo toda nossa ancestralidade-coletiva negra. Você me faz continuar escrevendo num mundo cada dia mais doente pelo dinheiro em detrimento da vida. Em que o acolhimento é quase inexistente. Sabes bem do que digo, já pisou intensamente nessas terras contaminadas pelo ódio. Não apenas pisou, como lutou incansavelmente pela busca constante de um viver mais digno para os vários povos brasileiros. De onde você colhia tanta força?


Existem dias que estou tão exausto que penso em desistir. De apenas permanecer tombado em silêncio. Porém, me recordo de ti. Da mulher negra, lésbica, cria da favela da Maré, vereadora eleita da cidade colonial do Rio de Janeiro (RJ). E tantas outras potências existenciais desse ser tão ancestral, que não se calou em nenhum momento. Nem mesmo a morte foi capaz de te silenciar. Muito pelo contrário, criou um movimento coletivo que nunca senti na minha vida. Em todos os cantos e recantos estão desabrochando seu girassol insurgente e desobediente. Suas sementes estão fluindo pelos ventos de Iansã, alcançando vários solos existenciais.


Uma dessas sementes alçou voo para cá, em Ipiabas. A Praça Marielle Franco é um irromper da sua semente, aqui e agora. Iremos realizar um ato lindíssimo para ti. Desejaria tanto que estivesse de corpo-vivo presente, mas sei que estará de corpo-espiritual. Irradiando uma energia transcendental em cada movimentação por lá. Sentiremos sua presença. E iremos celebrar juntes sua existência e resistência para fazê-la ainda mais central em nosso caminhar.


As suas palavras sempre ecoaram como uma voz dos considerados não-humanos nessa sociedade asfixiada pela branquitude opressora. Você foi escutada. Mesmo para os que não queriam te escutar. E isso gerou muito incômodo. Mas sabias disso muito mais que eu, e assim mesmo, continuou gritando e lutando. Com sua cabeça e corpo erguido como uma Baobá. Suas raízes são tão profundas e fixas quanto os corpos negros afro-diaspóricos ao redor do mundo. Seu girassol-Baobá é gigante e acolher como foste e é no eterno devir revolucionária-encantada.


A filosofia Ubuntu foi sua prática de vida. "Eu sou porque Nós somos”. Essa frase transbordou de ti, te moldou e formou esse ser que só existe na coletividade. Nos seus encontros com várias gentes, queria ter lhe encontrado por aí. Nosso intercruzo terreno não aconteceu, mas tenho certeza que nossos caminhos estavam postos, no além mar-temporal. E nesse momento me coloco num reencontro contigo. A minha escrita é forjada numa rede de afetos em que você é centro e ciranda encantamentos curativos.



Com muito dengo,



Renan Vicente da Silva



Ipiabas, 14 de março de 2022

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