top of page
  • Foto do escritorRenan Vicente da Silva

Uma carta para as pessoas leitoras de mim

Atualizado: 23 de mar. de 2021


Queridíssimas, pessoas leitoras de mim


Venho por meio desta singela e sincera carta expressar meus encantamentos e agradecimentos ao longo do doloroso ano de 2020. Espero que as mortes da pandemia não tenham alcançado com intensidade seus lares. De qualquer maneira, somos sufocadas por mais de 200 mil vidas brasileiras perdidas. Um genocídio intencional que é banalizado, sem qualquer responsabilização do anti-presidente da república. É central a construção de memória dessas vidas, para evitarmos ainda mais consumo de nós. Existe pouquíssimo ar para respirarmos no amanhã, já ausente aos corpos negros afro-diaspóricos, desde os traumáticos períodos da escravidão, que ainda ecoam no hoje. Não existe vacina para a ganância pelo dinheiro que nos levou ao colapso civilizatório-solidário da humanidade.


Dentro desse contexto, no decorrer dos dias, semanas, meses de suspensão da rotina automática e alienada, a qual foi proporcionada pelo ligeiro vírus. Esse ser microscópico conseguiu me salvar em tanta morte, fornecer uma âncora na ressaca do mar da sobrevivência diária, muitas vezes sem sentido. E dentro dessa nova realidade tecida, no retorno para minhas origens, fui desabrochando para outras possibilidades. No me descobrir envolvido com as palavras escritas, um estar tanto quanto intimista, guardado nos recantos mais profundos da minha subjetividade. Não foi algo fácil me colocar para ser lido, tinha e ainda possuo, muito medo, receio, dúvida, de como essas palavras irão atingir cada um, dentro de suas singularidades e vivências. A pandemia foi essencial na materialização desse nascer escutandeiro que escreve em mim. Uma forma de cuidado que lateja com as palavras escritas despertadas na escuta dos corpos com suas histórias.


Um ponto importante é que não iria existir este blog ou qualquer outro território de escrita, na ausência de pessoas leitoras. Escrevo para poder ser lido, essa é minha maior vaidade atualmente. Nesse sentido, preciso transbordar em gratidão, pelas poucas, porém significativas pessoas que param alguns minutos de suas vidas para me lerem. Em um mundo intensamente instantâneo e veloz, de raras palavras e paragens, vocês conseguem ser afetados, sendo ainda mais potente conviver com suas existências. Me faz querer continuar escrevendo nos próximos amanheceres, tardares e madrugares. Com ainda mais responsabilidade nas letras forjadas entre muitas angústias e verdades que necessitam alcançar suas vidas. Um renunciar de nós para o mundo colonial em ruínas.


Os percursos que vivemos nas palavras escritas que me forjam, foi na possibilidade de libertarmos um futuro sequestrado pelos tempos atuais. Cada uma de vocês, são essenciais nessa libertação, pois apenas juntes conseguiremos construir uma fratura, uma verdadeira rachadura, para respirarmos coletivamente. É uma rebelião semeada pelas letras, palavras, frases, parágrafos que transbordam de mim ao encontro do outro ser humano leitor, sendo todavia, um movimento limitado pelo letramento da língua portuguesa colonizadora. Um aprisionamento linguístico sem precedentes e naturalizado. Não questionamos os meios opressores de ensino do branco sobre nossos corpos colonizados, assim, embranquecemos na busca de humanidade. Anseio encontrar uma saída nos saberes indígenas, quilombolas, ribeirinhos, os quais pulsam na essência da oralidade linguística, na simplicidade do bem-viver, no estar fixo com a terra, em pé como árvore. Numa conexão espiritual-natural desapropriada em nós pelo excesso da virtualidade em detrimento da realidade, desse modo, vivemos nas telas, sem terra. Também, esses saberes originários são violentamente apagados, devido seu devir revolucionário na queda do sistema mundo colonial-moderno. Um medo que aterroriza os brancos, diante da finitude dos seus privilégios construídos em nossa sociedade.


Por fim, quero agradecer demais aois, leitoris, leitoras, leitores de mim. Não estaria continuando nessa rebeldia e desobediência sem vocês. No rompimento de um automatismo existencial, silenciado no corpo que vivia, na ausência de sentido da minha vida. A âncora de escrever minhas angústias, inquietudes, questionamentos, me salvou da morte. E sinto esse salvar em cada nova escrita, no inspirar vocês para outras visões, opções, afetações. Além de estender, humildemente, minhas mãos insurgentes ao encontro das suas, no distribuir girassóis-escritos de esperança em suas existências, aqui e agora.


Ipiabas, 12 de janeiro de 2020

bottom of page