Renan Vicente da Silva
Um circo que germina no quintal de casa [documentário: ‘Jonas e o Circo Sem Lona’]

Me recordo que assisti ao documentário, ‘Jonas e o Circo Sem Lona’ (Paula Gomes, 2015), no âmbito dos 50 anos do Movimento Armorial, o qual é inspirado por Ariano Suassuna, com o objetivo de valorizar as criações artísticos-culturais nordestinas. Essa necessária construção cinematográfica estava na programação do Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense (UFF), de forma virtual, assistimos e dialogamos com as pessoas protagonistas dessa narrativa tão envolvente. A história é aquela que não está presente em nossos cotidianos. Mas muito poderia estar, pois evidencia a potência de um espaço tão comum, o quintal, em que é possível transbordar uma magia circense.
E é a partir desse local que gostaria de fluir nestas singelas palavras escritas, pois o quintal é centro. Essa centralidade é alcançada ao longo do documentário. Já que existia previamente uma origem no chão do circo pela família de Jonas, com 13 anos. Assim, ele apenas continuou essa ancestralidade familiar, que por mais que pressões da sociedade tenham tentado asfixiar, falharam. A ditadura da vida útil permeia sua existência. Como das mais variadas gentes que habitam nessa sociedade adoecida pelo dinheiro. E no meio desse caos existencial, Jonas vai desabrochando para sua necessária vida. Isso é muito perceptível nos diálogos que compõem suas ações. No meio de toda essa inquietude, ele cria um circo em seu quintal, conjuntamente com outras crianças. Um espaço de cultura para que outras pessoas possam fluir e confluir. Num essencial direito ao lazer, que muitas vezes é inacessível para os diferentes povos brasileiros empobrecidos. É nesse ecoar da resistência que acompanhamos todas as construções e tensões que perpassam sua existência.
Nesse desabrochar para outras possibilidades, no ser e fazer que fornece sentido para si. Jonas promove um reflorestamento de corpos e mentes em seu quintal. Cada ser é um palhaço, um trapezista, um mágico, um malabarista. E justes conseguem criar organicamente um circo no quintal de casa. Com toda estrutura possível e impossível, desde a lona improvisada até o tablado encaixotado. Sendo tão envolvente sentir toda a magia circense ocupar centralidade nos imaginários das outras crianças. Permitindo um sonhar com outros mundos, além da realidade posta. Jonas rompe com a vida útil. E nesse romper, transborda as grades curriculares escolares que condicionam nosso pisar nos solos existenciais. Mas inevitavelmente esses condicionantes se tornam mais presentes e asfixiantes, assim precisa ir aprendendo a gingar nesse mundo para conseguir sobreviver. Aos poucos seu território circense vai se recolhendo, porém lateja mais que vivo em si.
Ao terminar de assistir ao documentário, me senti com um esperançar genuíno. De conseguir olhar para as resistências subjetivas que mantém as artes enquanto defesa frente ao monstro do capitalismo. E foi nessa ciranda de encanto que escutei na roda de conversa, do próprio Jonas, do quanto foi mais que necessário essas movimentações para compor esse ser que és no agora. Que mesmo renunciando do seu circo no quintal de casa, foi estudar para aprender os fazeres cinematográficos, e deu a rasteira por dentro. No tempo material-atual está se especializando para continuar semeando seu fazer artístico conjuntamente com as pessoas que trabalharam para contar sua história. É nos cantos e recantos mais comuns que insurgem seres que desabrocham para outros caminhares. Jonas é resistência cultural nordestina-brasileira.
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Ipiabas, 26 de julho de 2022
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