Renan Vicente da Silva
O SUS é um inédito viável que precisamos lutar

É necessário começar esta escrita pela tentativa de compreensão do termo inédito viável, algo que não possuo muita lucidez, mas precisamos navegar pelos desconhecidos em desabrochamentos. Essa é mais uma construção categórica a partir das obras inspiradoras de Paulo Freire, nosso encantado patrono da educação brasileira. Nesse conceito, é colocado um ponto central, ainda pouco discutido, em que as transformações das relações de opressão se dão pelas ações dos oprimidos. Assim sendo, são esses sujeitos na condição de opressão que agem no limite máximo existencial, para romper com as condições opressivas colocadas na realidade. A ditadura pelo dinheiro é para mim, uma opressão onipresente na vida dos seres humanos que habitam nossa sociedade, da qual não conseguimos, na grande maioria das vezes, nos libertar. Por mais que tentamos e falhamos. Em outras palavras, estamos condenados numa sociedade doente pelo poder, e talvez, apenas pela consciência e ação coletiva dos povos brasileiros conseguiremos construir outros futuros possíveis.
Esse é o ponto que gostaria de alcançar para continuar caminhando nestas palavras escritas. Diante de umas andanças pelas ruas da minha cidade, me deparo com o prédio da Secretaria Municipal de Saúde de Barra do Piraí, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), numa certa subversão arquitetônica, já que encima desse local existe uma presença gigantesca de uma operadora de saúde suplementar, a qual coloniza e suga qualquer potencialidade do SUS. Sempre estive inquieto com essas invasões e colonizações do privado pelo público. Ainda mais compreendendo a saúde enquanto um direito essencial para todos os povos brasileiros. E ver com esses meus olhos que fazem tantas outras leituras ancestrais-encantadas do mundo que nos cerca, é algo extremamente violento e angustiante. Não é mais admissível aceitarmos o sucateamento do nosso SUS para fortalecimento da saúde suplementar-privatista.
Dentro desse contexto, é sempre necessário reforçar uma angústia existencial que lateja em mim. No lugar de um trabalhador de saúde, ou melhor, um escutandeiro que escuta, cura e aconchega, que almeja fluir e confluir numa perspectiva de saúde pública e gratuita de qualidade. Mesmo sabendo que sua existência é quase impossível dentro de um país capitalista-periférico, no qual a sociedade de consumo se faz mais que presente. Nesse ambiente artificial tão contraditório, irei lutando para que exista e resista a verdadeira dignidade em vida. Em que nossos povos possam se cuidar e curar por meio de políticas públicas em saúde que transbordem os condicionantes do dinheiro. Esse lutar, muitas e tantas vezes, é algo solitário e extraordinário, pois poucos compreendem, mas outros sentem essa necessária busca do bem-viver no centro do sistema que controla nosso nascer e morrer.
Na busca incessante dessa realidade quase que utópica, vamos encontrando e reencontrando formas de continuar juntes, na essencial construção coletiva do nosso SUS. Essa entidade que está presente em quase todos os preâmbulos das vidas brasileiras. Mas que intencionalmente é silenciada e invisibilizada, dentro dos meios midiáticos, já que sua potência precisa ser delimitada nas fronteiras coloniais dos senhores do poder financeiro. E vivemos numa crise sem fim, como nos alerta César Amparo, uma pessoa querida e doutor em saúde coletiva pela UFRJ:
“Se a crise na saúde é reduzida a uma questão técnica, de alocação de recursos, mão de obra e acesso a equipamentos, reproduz-se a lógica desenvolvimentista de volúpia por uma inovação tecnológica que nem sempre tem a ver com as reais necessidades de saúde da população. Quando se destaca e tematiza as condições de emergência e persistência dessa crise, talvez a inovação, por si só, não possa contribuir nessa compreensão, e muito menos na transformação dessas condições. Carecemos de inovação no seio dos inéditos viáveis.”
Nesse desenvolvimento sem envolvimento, vamos a largos passos pisando profundamente no fim dos mundos. Em que as questões técnicas imperam e destroem qualquer outra possibilidade de rompermos com a lógica doente posta na realidade. Assim, cada dia mais compreendo que os inéditos viáveis são tão revolucionários e orgânicos que transcendem as amarras do ser e fazer em saúde. Acredito nesse esperançar das inovações e criações mais que urgentes, as quais ainda sustentam nosso SUS, para além do mundo radicalmente doente pelo dinheiro. Fazendo o impossível se tornar possível. É nessa ciranda que gingo com as pessoas usuárias do SUS, em cada olhar, tocar, cuidar e curar. Isso fornece um suspiro para permanecer de pé dentro do caos da humanidade no fim de si.
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Ipiabas, 23 de setembro de 2022