Renan Vicente da Silva
O dia do índio não existe, mas existe a diária resistência indígena

Nas minhas últimas andanças pelo mundo colonial em disputa e violência. Me encontrei na Aldeia Maracanã, um espaço que transborda ancestralidade e transcendentalidade, a partir dos corpos indígenas que permanecem em pé. Como verdadeiros guardiões das florestas permanecem protegendo e lutando por outras possibilidades de futuros para Nós. Estar nesse território é rasgar qualquer tecido colonial. Tornar o estádio do Maracanã algo periférico, diante da centralidade da Aldeia, que num contexto de intensas disputas de interesses político-econômicos, continua viva e pulsante. Sentir meus pés fixos nesse lugar foi mais que extraordinário, fui acolhido e aconchegado diante da dureza da cidade que nos asfixia.
E sobrevivemos em mais um dia 19 de abril, no qual comemora-se de forma hipócrita, o dia do índio. Uma data que nos remete para os tempos do romantismo, um período literário, no qual havia a criação da identidade nacional brasileira. Nesse sentido, o índio alcançava um protagonismo, mas a partir do ponto de vista do branco, que docilizou em seus textos e histórias, as existência indígenas. Essas que não cabem nos enquadramentos coloniais, já que romperam fins de mundos, para continuarem conspirando conosco na atualidade. O mito da história única não pode continuar regendo esse país banhado de sangue indígena-negro. É mais que urgente um grito de basta para essa contínua violência colonial. E nos fortalecemos na presença de Tupã. Como pude sentir na musicalidade e corporeidade ao redor da fogueira, conjuntamente com uma lua radiante. Toda essa energia ancestral foi emanada de cada ser encantado humano e mais que humano presente nesses meios. E sigo com toda essa pulsão espiritual-existencial.
Me desloquei para a Aldeia devido ao potente show de Kaê Guajajara, com sua voz insurgente e desobediente, em que ecoa para despertares coletivos. De que não podemos mais permanecer em silêncio. É preciso fraturar toda lógica vigente para reflorestarmos corpos e mentes. Estar fluindo coletivamente com essas vivências e existências, fornece um sentido enorme nas minhas movimentações. De que não podemos nos deixar sermos adoecidos pela sociedade doente pelo dinheiro. De que não podemos nos deixar sermos naturalizados pela brutal violência cotidiana de tombamento dos corpos não-brancos. De que não podemos nos deixar sermos embranquecidos pelo mundo colonial em colapso de si. Esses renunciares são mais que necessários para podermos caminharmos em outras direções. E se tornaram ainda mais central em mim, ao estar no solo indígena ainda ocupado por esse povo originário, pois a Aldeia Maracanã é um ligeiro e ancestral território que ainda permanece vivo, numa tensão constante com a doentia cidade do Rio de Janeiro.
Se quisermos promover transformações, devemos iniciar conosco mesmos, um primeiro passo necessita ser dado, a fim de construirmos nosso caminhar coletivo. Não é mais possível permanecermos em nossos lares. Estar na luta conjuntamente com os povos indígenas, não é mais opção. É uma ação urgente. E existem várias formas de nos aproximarmos, por meio de uma escuta sensível, das pessoas mais velhas e a partir das vivências que não conhecemos, mas que precisamos aprender. Essa é o ponto central, devemos aprender com os verdadeiros guardiões das florestas, que lutam pelo nosso ar para respirar. E encontramos diálogos comuns, e convergirmos na libertação das encruzilhadas indígenas-negras. Não resta muito tempo, é o aqui e agora.
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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2022