Renan Vicente da Silva
A queda de Brasília foi simbólica, mas a queda dos Brasis é real
Diante dos últimos acontecimentos terroristas, na capital do Brasil, em Brasília. Me senti deslocado para tecer algumas palavras escritas, desse momento singular, mas não menos inesperado, da história recente desse país colonial. Desde a invasão de 1500, somos continuamente estuprados pela sanha interminável do colonizador. Uma criatura que devora essa terra, na busca doentia por mais dinheiro, para assim, se perpetuarem no poder. Antes, éramos colônia da elite europeia. Agora, somos colônia da elite brasileira. E sobrevivemos num capitalismo periférico tão radical e racista, quanto no passado, pois é criado, por essa elite, uma anomalia social, a classe média. Nesse sentido, é necessário trazer a fala de Marilena Chauí, educadora, filósofa e escritora, que nos alerta:
“É porque eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista... É uma coisa fora do comum, a classe média. Então, eu me recuso a admitir que os trabalhadores brasileiros, porque eles galgaram direitos, conquistaram direitos. Esses direitos foram conquistados por 20 anos de luta, fora os 500 anteriores de luta e desespero. E dizer que essas lutas e conquistas fizeram a gente virar classe média. De jeito nenhum! A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética, porque é violenta, e é uma abominação cognitiva, porque é ignorante. Fim.”
Essa foi a classe média que permaneceu, de forma financiada, em frente aos quarteis militares, após criarem conspirações sobre o pleito eleitoral. E acreditarem em toda uma teoria conspiratória. Ao longo dos sofridos quatro anos do desgoverno Bolsonaro, acreditando num mal comunista. É ignorante. Foi essa classe média que não aceita compartilhar sua mísera acumulação de capital, e durante governos que visaram uma pequena distribuição, não apenas de dinheiro. Mas essencialmente, de direitos básicos para uma vida digna. Em que os pobres, em sua maioria negra, acessaram as universidades públicas, conseguiram estudar no exterior, e viajaram de avião, assim como, as trabalhadoras que prestavam serviços domésticos, grande parte sendo mulheres negras, conseguiram suas leis trabalhistas, e deixaram de serem as falsas extensões de suas famílias. A ira da classe média se fez presente, pois acreditam ser brancos, desse modo, superiores aos não-brancos. É fascista. Essa foi a classe média que destruiu as edificações de Brasília, com toda raiva e ódio, sem qualquer ressentimento, evidenciando sua ira sem sentido. Não se importando com as consequências, para ela, bandido bom é bandido morto. É violenta.
A destruição de Brasília é uma ação mais que legítima dos povos brasileiros, não dessa classe média, mas dos corpos afro-indígenas pindorâmicos que são brutalmente mortos nessas terras sangradas. Nossa capital foi construída a partir de muito sangue nordestino, os quais deram suas vidas para edificar uma cidade imaginária. Com curvas tão coloniais quanto sua antiga capital, a cidade do Rio de Janeiro. Diante da necessidade de afastamento da classe política frente a classe não-branca. Sua beleza nunca me encantou, e agora, só sinto ainda mais repulsa. Ao deixaram uma classe média fascista, violenta e ignorante invadir e depredar as principais estruturas que forjam o simbolismo republicano de Brasília. Algo que seria inviável para quaisquer outras gentes, que ousassem ultrapassar os limites da cidadela brasiliana. Isso demonstra o quanto a sociedade colonial é latente e ardente nesses solos.
Nos destroços materiais da capital brasileira, precisamos pensar e repensar sobre nossos futuros possíveis. O capital suavizará a queda de Brasília, com reparos e reformas, mas não conseguirá curar a queda dos Brasis. Estamos sobrevivendo numa ruptura irreparável do tecido social-racial brasileiro, que necessita de uma teia de povos para renascermos com nossa encantada ancestralidade. A limpeza das mães de santo são nossa fonte inesgotável de axé. Essa energia vital que pulsa em nossas corpos e mentes para revolucionarmos frente tanta opressão. Os Orixás que regem nossos caminhares no Ayê, para alcançarmos outras possibilidades existenciais, nesse país adoecido pelo dinheiro. Numa completa falta de reconhecimento dessa classe média enquanto classe trabalhadora, não-branca, sul-ameríndia e africana. No momento que essa consciência estiver transbordando de nós, acredito que iremos insurgir diante da queda do capitalismo.
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Ipiabas, 24 de fevereiro de 2022