Renan Vicente da Silva
A agroecologia insurgirá no fim dos mundos: uma vivência de retomada com a terra

Nas minhas andanças pelos cantos e recantos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), me deparei com um grupo de pessoas-jovens de um projeto de extensão, o ‘Capim-Limão’. Já havia escutado e buscado sobre essas movimentações agroecológicas, mas apenas ali, num breve encontrar de gentes, retornando de um mutirão de manejo e cultivo. Foi que consegui sentir toda potência desse cultivar, plantar e semear nos solos universitários.
Depois desse momento, fui cada vez mais caminhando nesses outros percursos formativos possíveis, para além das aprisionantes e asfixiantes grades curriculares. E fui convidado para uma vivência na cidade de Guapimirim. Nesse dia, estava envolto em muitas questões e inquietações, que transbordavam para um corpo em conflito. Mas ao começar a planejar e organizar, conjuntamente com as várias pessoas, um Sistema Agroflorestal (SAF), numa das terras dos agricultores locais. Consegui conceber uma certa dimensão de como existe toda uma lógica cooperativa-solidária para realizar os plantios, uma verdadeira floresta é criada dentro do sistema capitalista. Em que o desmatamento é quase imparável. Porém, essas pessoas conseguem criar sistemas de florestas, que são restáveis e mais que sustentáveis em si, num diálogo transcendental com os saberes indígenas-originários.
E dentro desses devires, fui percebendo o quanto a agroecologia coloca-se enquanto uma frente na perspectiva decolonial. Uma prática acadêmica que estava sendo minha fonte inesgotável de revolta e angústia para com o mundo colonial. Em que nossa universidade está embasada, dentro do arcabouço teórico eurocêntrico. E quando promovi minha primeira e ligeira fratura nos muros universitários, flui e conflui, com os povos brasileiros no território de favela. Essa minha vivência anterior, me permitiu fazer outras leituras de mundos. Por isso, afirmo que a agroecologia é revolucionária. Como escreve, Frantz Fanon, intelectual negro-afrodiaspórico, em “Condenados da Terra” (1961):
“A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o ser, modifica fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso pela roda-viva da história.” (p.26; 1961)
É nesse renunciar do lugar de espectador do fim dos mundos que a agroecologia se insere, pois desloca o colapso climática para o centro, e assim convoca as pessoas para transformarem cidades em campos. São várias gentes cultivando a partir do concreto. Agindo para adiar o fim. Numa micropolítica tão necessária e urgente, como nos alerta, Ailton Krenak, liderança indígena, em “A vida não é útil” (2020):
“Em diferentes lugares, tem gente lutando para este planeta ter uma chance, por meio da agroecologia, da permacultura. Essa micropolítica está se disseminando e vai ocupar o lugar da desilusão com a macropolítica. Os agentes da micropolítica são pessoas plantando horta no quintal de casa, abrindo calçadas para deixar brotar seja lá o que for. Elas acreditam que é possível mover o túmulo de concreto das metrópoles.” (p.21, 22; 2020)
Depois compreendi como as rachaduras promovidas pela agroecologia me alcançaram no momento, no qual estava num completo afastamento da terra, mas ao mesmo tempo, num movimento de plantio e cultivo de outros solos existenciais. Essas pessoas que estavam destruindo, numa violência tão legítima e natural, todo asfaltamento da vida. Isso foi ainda mais perceptível na vivência dentro da Ocupação Verde, um espaço territorial da UFRJ, em que estudantes de diversos cursos se reúnem para plantar com amar. Me senti aconchegado e acolhido em cada olhar paciente-impaciente desses seres, os quais se dedicam para romper toda opressão sistêmica. Foi um verdadeiro esperançar que transbordou de mim. Mais recentemente esse lugar de resistência, se anunciará como Ocupação Arcoverde, numa mais que necessária memória ao professor universitário, Eduardo Arcoverde, um ser que se encantou nesses últimos meses, mas que dedicou sua existência para essas movimentações agroecológicas.
Nesses últimos períodos, temos sofrido intensamente com as forças privatizantes nos interiores da UFRJ. Essas que nunca deixaram de existir, pois a universidade faz parte do projeto neoliberal. Em que ela se vende de dentro para fora. Mas que sentimos suas colonizações com pulsão, nesse governo autocrático nazi-fascista da extrema-direita brasileira. Como por meio do sucateamento financeiro, pelos bloqueios e contingenciamentos, e também no desmonte do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e omissão na Política de Assistência Estudantil (PNAES), numa re-elitização sem precedentes. Dentro desse contexto, existe o projeto 'Viva UFRJ’, que nasce de uma necessidade importante de valorização dos espaços da universidade, os quais estão em ruínas, mas com responsabilidade social. Só que no agora, a reitoria visa quase que privatizar os ativos imobiliários da UFRJ, com pouca gerência desses locais e com menos contrapartidas sociais. E dentre esses espaços em disputa, está o conhecido Campinho da Praia Vermelha (PV), um dos únicos territórios verdes desse campus. Estão projetando a construção de um centro cultural que concretará em sua integralidade esse local de encontros e reencontros. E também de outro projeto de extensão, a ‘Hortinha da PV’, no qual mais uma vez, estudantes de vários cursos conjuntamente com os trabalhadores terceirizados, estão manejando e cultivando nesse lugar. A agroecologia está promovendo uma micropolítica de resistência e existência, numa essencial postura decolonial, ao convocar para o debate o corpo social universitário numa discussão dos futuros possíveis que envolverão esses projetos coloniais.
É mais que evidente para mim, a compressão da revolução promovida pela agroecologia. Essas ligeiras vivências que consegui percorrer nos caminhos de possibilidades, me fizeram ressignificar a retomada para com a terra. Do quanto é urgente essas movimentações agroecológicas na libertação de outros tantos caminhares. Indo numa ruptura irreparável dos muros e asfaltos coloniais, os quais cerceiam nosso verdadeiro devir e servir acadêmico. Sei que não conseguirei dedicar tanta energia para essa onda agroecológica, pois priorizarei outras frentes na decolonização. Mas nossas encruzilhadas já estão dadas, nos encontremos e reencontraremos até o fim dos mundos.
.
.
.
Ipiabas, 03 de novembro de 2022